“Tô com muita saudade, demorei muito na Casai [Casa de Apoio à Saúde Indígena]”. Esse é o sentimento de Xuxa Yanomami após quase cinco meses longe da comunidade em que vive na Terra Yanomami. A mulher, de aproximadamente 50 anos, fez parte do grupo de duas famílias que retornaram ao território em uma ação inédita das Forças Armadas: levar indígenas com a saúde recuperada de volta aos seus lares.
Xuxa Yanomami estava na Casa de Saúde Indígena para acompanhar um dos filhos, de aproximadamente 5 anos, com sintomas de desnutrição. Junto com o menino, ela trouxe Enzo Yanomami, um bebê, de quase um ano, e outra filha, com aproximadamente sete anos, para não deixá-los sozinhos na comunidade.
Devido à relação com o tempo, os Yanomami não contabilizam datas como não-indígenas, por isso, em alguns casos, não é possível precisar a idade correta de cada um. Os números foram informados por um enfermeiro da Força Aérea Brasileira (FAB) que atua na Operação Yanomami.
Com muita animação e ansiedade, Xuxa, que fala apenas algumas palavras em português, afirmou que estava “feliz” em voltar para a comunidade de Parafuri, distante 20 km da região de Surucucu.
Na última sexta-feira (11), além de Xuxa e os filhos, outra família também retornou para a comunidade. Sabonete Yanomami estava acompanhado da esposa, Vanessa Yanomami e do filho na viagem. O bebê do casal foi à Casai para tratar doenças respiratórias e por isso estavam há dois meses em Boa Vista.
No tempo em que esteve na cidade, Sabonete conseguiu ferramentas e com a volta para a comunidade de Loko, a 3 horas de distância a pé de Surucucu, pretende trabalhar na roça para ter alimentos.
Com esperança de conseguir fazer o roçado e com a ajuda humanitária chegando ao território, a expectativa dele é que as mortes por “barriga morreu”, como chamam a desnutrição, acabem. Sabonete contou ainda que duas pessoas morreram em setembro do ano passado na comunidade em que ele mora por falta de alimentação.
Maior território indígena do Brasil, a Terra Yanomami enfrenta uma crise humanitária sem precedentes, com casos graves de indígenas com malária e desnutrição severa – problemas agravados pelo avanço de garimpos ilegais nos últimos quatro anos. Desde o dia 20 de janeiro, o território está em emergência de saúde pública e recebe apoio do governo federal para frear a crise.
O processo de retorno inicia ainda na Casai, quando a equipe determina quais pacientes já têm condições de voltarem para as comunidades. Depois, as famílias seguem até a Base Aérea de Boa Vista (BABV).
“É uma operação interagência e interministerial. Então, eles mandam a demanda para gente, a gente analisa e dentro das condições logísticas a gente vai apoiar. Hoje foi viabilizado o retorno de duas famílias”, explicou o aviador e tenente-coronel Rodrigo Magioli.
Retorno para casa
O retorno no entanto, bem como outras ações de apoio à crise Yanomami, dependem das condições climáticas no 4º Pelotão Especial de Fronteira (PEF), na região de Surucucu. Por se tratar de uma região montanhosa e com uma densa floresta, as chuvas são constantes no território.
As duas famílias chegaram na Base Aérea às 7h da manhã, mas devido à instabilidade do tempo, o voo saiu apenas às 13h. Para a operação de retorno, a FAB usou a aeronave C-98 Caravan. A viagem até a Terra Yanomami dura aproximadamente 1h30.
A família de Sabonete seguiu a pé, por preferência, para retornar à comunidade Loko. Já Xuxa e os filhos voltaram em um helicóptero Black Hawk.
Depois de embarcarem na aeronave, a viagem durou cerca de 30 minutos. Por ser de difícil acesso, os militares precisarem refazer as coordenadas e com auxílio de Xuxa conseguiram chegar em Parafuri. No local, apenas a equipe das Forças Armadas desceram para auxiliar no retorno da família.
“É muito importante esse trabalho, porque os indígenas têm pressa em retornar para sua comunidade. Isso para eles é uma tormenta ter que ficar lá [na Casai]. Eu acredito que essa missão está tendo muito êxito nessa atividade humanitária”, comentou o tenente e enfermeiro Luciano, que atuou na Terra Yanomami por três anos e auxiliou como interprete dos indígenas no retorno.
Apoio operacional e humanitário
Há quase dois meses, o Comando Operacional Conjunto Amazônia atua em apoio ao enfrentamento a crise da saúde Yanomami na força-tarefa mobilizada pelo governo federal. Desde então, além de viabilizar o retorno de famílias para o território, a Marinha, Exército e Aeronáutica atuam no envio de cestas básicas, transporte de pacientes, controle do espaço aéreo e atuação no Hospital de Campanha.
Ao menos 500 militares integram a força-tarefa de combate à crise. Depois da atuação na pandemia, esta é a maior operação com atuação das Forças Armadas em termos de logística, segundo o tenente-coronel Rodrigo Magioli.
Ele explica que além do desafio da barreira linguística entre os indígenas, existe ainda o desafio logístico por se tratar de uma região de difícil acesso em que apenas aeronaves conseguem acessar.
“Nós temos hoje cerca de mais de vinte aeronaves envolvidas na operação, somente das Forças Armadas, uma parte delas localizadas na base aérea de Boa Vista e aqui em Surucucu para fazer o avanço para as comunidades indígenas da região da Terra Indígena Yanomami”, explicou.
Em Boa Vista, a atuação da Força Aérea Brasileira no Hospital de Campanha começou no dia 27 de janeiro. Até a última sexta-feira (11), a unidade havia prestado 1.751 atendimentos. O objetivo do hospital é desafogar os atendimentos na Casai.
No pico da crise, em fevereiro, o hospital chegou a atender 98 pessoas em um dia. Agora, em fase de estabilização, a média de atendimentos são 15 por dia. A maior necessidade continua sendo os atendimentos em pediatria.
Com a queda gradual dos atendimentos, alguns módulos como ultrassonografia e ginecologia deixaram de funcionar. Atualmente, 13 médicos atuam na unidade, conforme o comandante do HCamp e major Aluízio Paiva. Mas, para além do atendimento médico, o contingente faz um papel humanitário.
“Eu posso falar por toda a minha equipe, acho que pela primeira vez todos estão tendo o primeiro contato com indígenas e a gente entende que eles têm uma cultura diferente da nossa. Essa relação nossa com os indígenas foi uma coisa muito gratificante porque eles, principalmente os curumins, que são os nenenzinhos, eles têm uma relação muito boa conosco, de carinho”, contou.